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Malvinas-Falklands: o
impasse no conceito de soberania.
Flávia Guerra Cavalcanti (UFRJ)
1. Introdução:
A recente comemoração na Argentina dos 30
anos da Guerra das Malvinas/Falklands significou a culminância de um processo
que vinha ocorrendo desde o início do período Kirchner: a reabertura da
discussão sobre a soberania das Malvinas. Os debates mostraram que o assunto
"Malvinas" constitui-se como uma questão de política de Estado para
os argentinos. Pelo menos esta foi a explicação da presidente Cristina Kirchner
para justificar um posicionamento semelhante ao dos militares que empreenderam
a Guerra de 1982 pelo controle sobre as Malvinas. Os métodos agora seriam
diferentes. Em vez da guerra, a Argentina optaria pelo diálogo com o Reino
Unido. Em suma, entre os militares e o governo de Cristina Kirchner haveria uma
comunhão de objetivos - a retomada das Malvinas - e uma discrepância nos
métodos - guerra e diálogo, respectivamente.
Desta forma, as Malvinas pairam como um
tabu inquestionável, algo que estaria para além de qualquer disputa entre
direita e esquerda na Argentina. O nacionalismo diluiria as diferenças entre
forças políticas, permitindo a união contra um "outro" externo.
Ademais do nacionalismo, o discurso kirchenerista sobre as Malvinas inclui
elementos como a soberania, o colonialismo, a militarização do Atlântico Sul e
o direito sobre os recursos naturais da região.
O Reino Unido reagiu com o argumento da
autodeterminação dos povos, acusando a Argentina de colonialismo. Como
apontaram muitos, é completamente despropositado o Reino Unido, um ex-poder imperalista,
atribuir à Argentina intenções colonialistas. Por outro lado, recorrer à autodeterminação
parece ter sido uma decisão que favorece a reivindicação inglesa, haja vista
que o princípio permanece como um dos mais naturalizados do discurso moderno
sobre a soberania. Quem ousaria contestar o princípio da autodeterminação dos
povos?
Tanto de um lado quanto de outro, percebemos a
permanência de discursos ligados à soberania estatal. O impasse ocorre
justamente em torno deste conceito, considerado como inegociável por ambas as
partes. Neste artigo, pretendemos discutir as contradições presentes nos
discursos de ambos os lados quando utilizam o conceito de soberania e o
relacionam a determinados pontos de vista. O que é mobilizado quando se fala de
soberania? Será que a sugestão de Ban Ki-Moon de uma “solução criativa” para a
disputa pelas Malvinas/Falklands pode ser pensada dentro dos marcos do
pensamento político moderno e da noção tradicional de soberania ?
2. Repensando a soberania
A crítica pós-estruturalista propõe um
estudo da soberania como prática discursiva e não como uma realidade objetiva.
Portanto, neste marco teórico, a pergunta não é sobre o que é a soberania, mas como
ela é representada em nossos discursos. Não podemos entender a soberania em sua
essência ou “tal como ela se apresenta na realidade”, mas apenas a partir do
discurso e da prática que usamos quando a ela nos referimos. Isto significa que
a soberania é uma prática histórica em construção e não uma entidade
a-histórica. Ela não existe como algo anterior às nossas práticas discursivas.
Na
definição tradicional, aprendemos que “a soberania é o locus classicus do Estado, o sine
qua non da vida política” (ELSHTAIN, 29, p.XIII). A soberania é o local a
partir do qual começamos a estudar política, com Jean Bodin, Thomas Hobbes, John
Locke e Jean-Jacques Rousseau. O conceito de soberania é assim visto, desde as
primeiras aulas de teoria política, como algo que deve ser aceito e não
questionado.
A narrativa histórica da soberania estatal
apresenta-a como o momento de libertação dos arcaísmos e irracionalismos da
Idade Média. Consequentemente, a soberania é resultado de “uma narrativa heroica”
(Idem, p. 91), do triunfo da razão sobre o clericalismo. Com a destruição da
ordem feudal, a soberania passou a ser associada a uma noção de “exclusividade
territorial”. Não era mais possível pensar em múltiplas soberanias, a do Papa,
a do Rei ou a dos senhores feudais. O poder se tornou monista, concentrado numa
única figura, a do Soberano estatal.
A partir de pontos de
vista diferentes, Locke e Rousseau defenderam que a autoridade soberana reside
no povo. Esta formulação embasou a construção do Estado nação no século XIX; o
Estado começou a ser associado a uma nação e esta a um povo. Portanto, a
soberania não dependeria apenas da definição do território, mas teria de ser
pensada também como a prerrogativa de uma população.
No século XX, o
princípio de autodeterminação, introduzido por Woodrow Wilson em 1918, reforçou
a relação entre etnia, soberania e Estado. A ideia de que cada etnia deveria
ter direito à soberania levou à interpretação de que seria legítimo cada etnia
possuir seu próprio Estado. Para minorias cujos direitos são desrespeitados, a
soberania permanece um objetivo sagrado.
Segundo Elshtain, a
soberania preserva o caráter monista da figura divina; a secularização promovida pelo Estado soberano
mantém implícita uma relação com a teologia. Parte da divindade que sustentava
os reis foi transferida para o Estado moderno. Consequentemente, ocorreu uma
deificação dos mecanismos estatais. É verdade que a teoria de Locke apresenta
possibilidades de um Estado constitucional e limitado, garantidor das
liberdades individuais, mas tais garantias constitucionais não são suficientes
para retirar da soberania sua aura sagrada.
O questionamento
pós-estruturalista sobre a soberania realiza o que Giorgio Agamben chamou de
profanação, isto é, trazer ao debate público aquilo que havia sido isolado no
campo do sagrado. Voltar a questionar os mitos que sustentam a vida política,
traçando sua genealogia e revelando seu caráter contingente e histórico.
Robert Walker é um
dos autores que investiga a soberania estatal como prática discursiva. Segundo
ele, as teorias de relações internacionais não são explicações do que existe na
política internacional, mas produtoras e reprodutoras do significado de
soberania. Em outras palavras, as relações internacionais são uma prática que
reproduz a soberania estatal ao mesmo tempo em que a soberania estatal cria as
condições de possibilidade para a disciplina de relações internacionais.
A soberania é uma
resolução moderna para a tensão entre universalidade e particularidade. Na
Idade Média, esta tensão já existia, mas foi resolvida por meio da hierarquia
entre diversos níveis de poder. Ao contrário, a resolução moderna para aquela
dicotomia é a soberania. Esta resolução é espacial na medida em que confina uma
identidade política dentro de uma fronteira territorial exclusiva. Supõe-se
que, dentro do Estado, o bom e o verdadeiro possam ser alcançados. No entanto,
estes universais só podem ser obtidos dentro de comunidades particularistas, os
Estados. A política só pode ocorrer dentro do Estado soberano.
A soberania responde
a questões como “quem somos?” ou “de onde viemos?”. A história de uma
comunidade é frequentemente associada ao que acontece dentro de um território
delimitado e soberano. Assim pode-se estabelecer o vínculo entre os cidadãos e
o Estado soberano ao qual pertencem.
Em contraste, no outside existe uma ausência de
autoridade e comunidade, ou ainda, uma ausência de soberania. No discurso
dominante das relações internacionais, o outside
é o espaço da anarquia e da insegurança. E o outro, situado no espaço exterior,
assume a forma do inimigo que precisa ser excluído. Ou seja, os princípios
éticos só são aplicáveis dentro do Estado soberano.
Porém, segundo
Walker, a soberania também teria uma dimensão temporal. Os princípios
universais são realizados dentro do Estado e é apenas aí que podemos falar em
progresso, desenvolvimento e política. A soberania contém uma dimensão temporal
pois somente no seu âmbito podemos falar de uma concepção de história como
progresso.
Na oposição
hierárquica entre dentro e fora, a soberania, localizada dentro do Estado, é o termo
privilegiado enquanto a anarquia internacional, situada fora do Estado, se
apresenta como mera negação da soberania. Disto decorre que o inside (a soberania) funciona com um
modelo para o outside, como se fosse
possível reproduzir no nível internacional os mesmos princípios que embasam a
soberania. Em suma, a teorização sobre o internacional acaba limitada pelas
concepções gestadas ao longo de cinco séculos no espaço nacional. Mesmo aqueles
que pretendem pensar uma comunidade internacional o fazem tendo em mente a
analogia doméstica.
O desafio, para o
qual Walker, diga-se de passagem, não apresenta uma solução, seria pensar
alternativas, soluções criativas que não sejam meras reproduções da prática
discursiva da soberania.
3. O discurso argentino sobre a soberania das
Malvinas.
A Argentina lembra
que as ilhas Malvinas eram parte de seu território em 1810, ano de sua
independência da Espanha. Em 1823, os argentinos instalaram um govenador nas
ilhas e, em 1829, uma guarnição militar, consolidando sua soberania sobre o
território malvinense. No contexto do século XIX, o imperalismo inglês procurava
obter o controle do Atlântico Sul para assegurar seu domínio sobre os mares. A
conquista das Malvinas em 1833 pelos ingleses configura-se, portanto, como uma
ação imperialista e colonialista.
Em relação aos fatos
do século XIX não há qualquer contestação possível, inclusive por parte do
Reino Unido. O debate se dá em torno da utilização do argumento da
anterioridade na ocupação do território. Para os britânicos, a anterioridade
não poderia ser justificativa para a soberania atual, pois neste caso o
discurso israelense sobre a Terra Prometida enfraqueceria o direito dos
palestinos sobre a Palestina, assim como o de diversos outros povos sobre o seu
território. Em vez da anterioridade, os britânicos invocam o tempo de posse
sobre o território. De acordo com este raciocínio, os britânicos ocupam as
Malvinas por mais tempo, o que levou à formação de uma população identificada
com sua cultura. Ou seja, eles apresentam aos argentinos um fato consumado: por
mais que esteja correta a avaliação sobre o colonialismo britânico e a invasão
das Malvinas em 1833, isto não muda o fato de que hoje a maioria da população das
Malvinas quer manter sua identidade e nacionalidade britânica.
Ambos os lados
invocam a soberania, mas interpretam-na segundo concepções temporais
diferentes. Os argentinos recorrem ao conceito de soberania como
“anterioridade”; o passado da soberania argentina sobre as Malvinas foi
interrompido, mas esta ruptura não impede que esse passado exerça seus direitos
sobre o presente. Ao contrário, os ingleses entendem que a soberania é definida
como “tempo de posse”. Neste caso, o tempo passado se apresenta em continuidade
com o presente, os britânicos teriam sido soberanos ininterruptamente, de 1833
até a contemporaneidade. Em relação à dimensão espacial, ambos concordam: a
soberania significa exclusividade territorial. O compartilhamento da soberania
sobre as Malvinas não parece ser, até o momento, uma hipótese para qualquer um
dos lados.
A reivindicação argentina
sobre as ilhas ganhou um caráter de urgência no governo de Cristina Kirchner
devido ao anúncio do Reino Unido sobre o início da exploração de petróleo nas
Malvinas. Muitos analistas apontam esta política como apenas uma parte de um
projeto maior de domínio geopolítico do Atlântico Sul pelos Estados Unidos e
aliados.
Segundo Rina Bertaccini,
em 1980, o governo norte-americano publicou um documento intitulado “Free
Oceans Plan” (Plano para o Oceano Livre), no qual se afirma precisar “contar
com o apoio da Grã-Bretanha (...) que deve ser nossa principal aliada na
região, não só porque é nossa amiga confiável na ordem internacional, como
porque ainda ocupa diversas ilhas do Atlântico Sul” (Free Oceans Plan, 1980). A
estratégia geopolítica dos americanos para o Atlântico Sul passa hoje, assim
como ocorrera com a Inglaterra no século XIX, pelas Malvinas.
Desde o fim da Guerra
de 1982, as Malvinas vêm sendo ocupadas por bases militares. Este fato, no
entanto, adquire uma outra significação após o fim da Guerra Fria, quando a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) passa a agir como um poder
militar global. De acordo com
Bertaccini, o enclave militar inglês nas Malvinas seria hoje uma das “bases de
controle e espionagem da OTAN no planeta” (2012, p.3). Além disso, afirma
Bertaccini, a base vem recebendo navios e aeronaves militares com armas
nucleares, o que desrespeita a Resolução da ONU sobre o Atlântico Sul como zona
de paz e cooperação.
O analista político
argentino Carlos Alberto Pereyra Mele destaca que as Malvinas ocupam uma
posição estratégica no Atlântico Sul pois, além de permitir um controle do
tráfego marítimo entre os oceanos, o estreito de Drake e o de Magalhães, as
ilhas “têm uma projeção muito especial sobre o último continente não explorado
até agora, a Antártida” (MELE, 2010, p.2).
Porém, o autor lembra
que os interesses econômicos não podem ser separados da estratégia geopolítica
de controle sobre o Atlântico Sul. A disputa pelas Malvinas, apesar de antiga,
ganha nova dimensão por estar inserida num novo conflito mundial por recursos
naturais que oporia, de um lado, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão,
e de outro, os emergentes China, Rússia e Brasil.
Outro elemento novo
na disputa seria o apoio da Unasul, que não aceita a participação de países de
fora da região em exercícios militares no Atlântico Sul. Para Gilberto
Rodrigues, estamos diante da “maior estratégia de defesa coletiva contra a soberania
britânica sobre as Malvinas/Falklands até agora vista” (ano, p.1). A presidente
Cristina Kirchner recorreu ao latino-americanismo ao dizer que a disputa não é
mais da Argentina, mas de toda a região. “As Malvinas têm deixado de ser uma
causa dos argentinos para se transformar em uma causa latino-americana e
global” (KIRCHNER, ano, p.).
O enquadramento do
tema Malvinas como um problema “latino-americano” e “global” revela as
transformações por que vem passando a ordem internacional desde o fim da Guerra
Fria. Questões antes restritas ao âmbito nacional começam a ser percebidas como
regionais ou globais. Desta forma, as práticas discursivas que constituíam as
Malvinas como um “problema nacional” são substituídas por outras que agora
apresentam a disputa em torno das ilhas como um “problema regional e global”.
De certa forma, a
reformulação do problema Malvinas por Cristina Kirchner representa uma inovação
em relação ao discurso da ditadura militar (1976-1983), que considerava a
questão como estritamente nacional. No entanto, o conceito de soberania não é
eliminado do discurso de Cristina Kirchner.
Pelo contrário, paralelamente
ao apelo de Cristina à Unasul, mantém-se o discurso da soberania argentina
sobre as Malvinas, expressa na frase “Las Malvinas son argentinas”. O verbo
“ser”, utilizado no presente do indicativo, contribui para conferir ao
enunciado um viés imperativo e monológico, impedindo qualquer manifestação de
uma voz contrária. Pode-se dizer que as “malvinas são argentinas”, mas o
“problema Malvinas é regional e global”.
A configuração do
problema Malvinas como regional e global não descarta a soberania. Trata-se de
uma nação soberana (a Argentina) apoiada por outras nações soberanas da América
Latina. A Unasul atua como uma organização regional baseada nos Estados; não há
qualquer instância supraestatal em sua estrutura. Como mostrou Walker, temos
dificuldade em falar sobre o regional e o global sem utilizarmos a resolução
moderna da dicotomia universalidade/particularidade trazida pelo conceito de
soberania.
A pergunta que
poderíamos nos fazer é se a estratégia do governo de Cristina Kirchner de
transformar o tema Malvinas num problema regional e global representa de fato
uma inovação e, mais que isto, se aumenta as chances de sucesso da
reivindicação argentina. Suspeitamos que a resposta seja negativa, pois o
enquadramento regional e global das Malvinas significa apenas um reforço da
concepção tradicional de soberania. Há um aumento do número de Estados que
defendem a mesma ideia e não uma mudança do argumento em torno da soberania.
4. O discurso britânico sobre a soberania das
Falklands.
Como já
adiantamos em outra seção, os britânicos também baseiam seus argumentos sobre as
Falklands no conceito tradicional de soberania, mas tentam enfatizar o vínculo
entre a soberania e a autodeterminação do povo. A identidade dos kelpers
(habitantes das Falklands) e seu desejo de manter a cidadania britânica são
apresentados como justificativa para o controle britânico sobre as ilhas. Os
kelpers têm o direito à soberania e os britânicos assumem a missão de
resguardar esse direito.
Retoma-se aqui
a associação, que começou a ser feita no século XIX e avançou no século XX,
entre uma identidade e um Estado ou entre um povo e um Estado. A tentativa de fazer coincidir Estado e etnia
levou a intervenções e anexações de território no século passado. Um dos casos
mais conhecidos do século XX é o dos Sudetos da Tchecoslováquia, que foram
anexados por Hitler sob a justificativa de que a etnia alemã dos Sudetos
tornava aquele território parte do Estado alemão. Ou seja, o princípio da
autodeterminação dos povos acabou sendo utilizado para legitimar apropriações.
Apesar dos exemplos históricos que mostram sua
distorção ou instrumentalização, o princípio da autodeterminação continua a ser
um dos mais almejados pelas minorias sem Estado. Por isso, o discurso britânico
sobre a autonomia dos kelpers encontra ressonância na comunidade internacional.
Torna-se então evidente e natural o raciocínio de que, se os kelpers querem ser
cidadãos britânicos, então o território das Falklands deve permanecer sob
soberania exclusivamente britânica.
Em fevereiro de 2012, um grupo de intelectuais
argentinos liderado por Beatriz Sarlo assinou o documento “Malvinas, uma visão
alternativa”, no qual defendem o respeito aos interesses e opiniões dos
habitantes das Falklands. Em artigo para o jornal La Nación, Sarlo considera que não é possível chegar a uma solução
se os argentinos não considerarem os kelpers como “sujeitos de direito”. O
ponto chave do conflito seria a autodeterminação dos kelpers. Para Sarlo, os
argentinos têm dificuldade de entender este ponto porque vêem as Malvinas como
uma questão sagrada, um mito nacional que não pode ser contestado e paira acima
das divisões entre esquerda e direita. A construção do mito estaria baseada na
crença de que a identidade argentina está vinculada ao território das Malvinas.
“É pobre uma identidade que se sustenta como identidade territorial” (SARLO,
2012, p.2).
5.
Conclusão.
A visão alternativa proposta por Sarlo e outros
intelectuais argentinos não nos parece tão alternativa assim. No lugar de uma soberania
argentina baseada na territorialidade, teríamos uma soberania britânica
justificada pela identidade kelper vinculada à britânica. A alternativa não é
inovadora nem propicia uma abertura do diálogo porque simplesmente reproduz o
discurso sobre a soberania moderna de um outro ponto de vista.
Tanto argentinos quanto britânicos recorrem ao
conceito de soberania, ainda que dêem ênfases diferentes a ele. Os argentinos
entendem a soberania do ponto de vista geopolítico e territorial, enquanto os
britânicos a associam ao princípio de autodeterminação. Conforme discutimos
brevemente na seção teórica, estas interpretações de soberania surgiram em
momentos diferentes e se sobrepuseram ao longo do tempo.
Em entrevista ao jornal El País, Sarlo chega a admitir
que não existe negociação possível quando os negociadores não estão dispostos a
negociar nada. Para argentinos e britânicos, “a soberania é inegociável, como
se dela dependesse a identidade nacional de ambas as nações” (SARLO, 2012, p.1).
Neste caso, Sarlo reconhece que o problema não é apenas o mito argentino sobre
as Malvinas, mas também a intransigência britânica de voltar a negociar. Para ambas as partes, a soberania é
sagrada, algo que não poderia ser profanado numa negociação.
A estratégia
argentina de vincular as Malvinas a uma nacionalidade (as “Malvinas são
argentinas”) acaba se tornando contraproducente por estimular um reforço da
identidade kelper. As duas partes, embora discordem quanto ao resultado, estão
utilizando a mesma prática discursiva que associa a soberania à exclusividade
territorial e a uma identidade específica. Dentro deste quadro de referência
teórico, não há qualquer possibilidade de discussão sobre uma soberania
compartilhada sobre as Malvinas/Falklands ou uma Argentina que incorporasse
duas identidades: argentina e kelper.
6. Bibliografia.
ELSHTAIN, Jean Bethke. Sovereignty. God, State and Self. The Gifford
Lectures. New York: Basic Books, 2008.
WALKER, R. After the
Globe/Before the World. London: Routledge, 2010.
____________. Inside/Outside:
International Relations as Political Theory. Cambridge: Cambridge Studies in
International Relations, 1993.