21 de jul. de 2011

Artigo: Círculos viciosos rodeando os alimentos

Artigo: "Círculos viciosos rodeando os alimentos"

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Círculos viciosos rodeando os alimentos


Marcelo Coutinho*


Para alguns analistas, o trunfo do Brasil com a valorização das commodities não seria apenas conjuntural, já que o consumo da Ásia vai levar ainda muito tempo, mantendo, portanto, altos os preços e as demandas por alimentos. Por sua vez, os bens industriais não devem voltar a se valorizar tão cedo com a sua oferta abundante. Mesmo que em alguns anos o mundo volte a crescer fortemente, a produção e a concorrência industrial continuarão grandes, preservando os termos de troca a nosso favor.


Existem pelos menos três círculos viciosos nos quais o Brasil se insere de maneira integrada que valeria a pena considerar antes de chegar a qualquer conclusão sobre o assunto: os círculos financeiro, produtivo e ambiental. A soma desses anéis problemáticos relacionados aos mercados mundiais de alimentos sugere que estaríamos na verdade transformando necessidade econômica em virtude, isto é, substituindo a produção industrial pelas grandes monoculturas.


O Brasil financia seu déficit externo com dinheiro de fora. Uma cascata de capitais valoriza o real, destrói a indústria e aprofunda ainda mais a nossa especialização em commodities, que perdem, contudo, rentabilidade nas exportações devido ao câmbio. Como resultado, mesmo superavitária, nossa balança comercial não consegue fazer frente aos déficits em conta corrente, impulsionados entre outros pela farra do consumo em dólar barato de brasileiros no exterior. Assim, reforçamos o círculo de dependência de capitais externos.


Uma queda abrupta na oferta de crédito em consequência de moratórias seriais em outros países (Grécia, Portugal e Espanha, por exemplo) enfartaria a economia brasileira. Como remédio, duras doses de nossas reservas internacionais e mais juros para conter a inflação. Em um cálculo por baixo, podemos supor que se em um cenário inercial o défict externo brasileiro alcançará 60 bilhões de dólares em 2011, em um ambiente de crise esse rombo triplicaria, chegando a mais da metade das reservas. Não seria difícil nesse caso imaginar especulações sobre a nossa economia também.


Além disso, a valorização dos alimentos nos mercados globais motiva os agentes econômicos a procurarem novas fontes de abastecimento e desenvolvimento. Países ricos e pobres têm motivos de sobra para assegurar comida à sua população. O segundo círculo pernicioso decorre aí das pressões produtivas. A valorização dos alimentos incentiva a entrada de novos produtores que aumenta a concorrência, gera mais especialização e diminuem os preços.


Mas todos esperam mesmo é que o Brasil, sobretudo, aumente sua produção de alimentos para atender a demanda. Não há como o país se negar a isso, seja por razões humanitárias ou econômicas. O problema é que já poderemos nos encontrar em estágio avançado de desindustrialização. Com tanta especialidade produtiva, as rodadas comerciais da OMC se tornaram obsoletas. No armazém chinês erguido na África e agora na América Latina, o Brasil se situa em três prateleiras: soja, ferro e petróleo.


As pressões internacionais para uma regulamentação das commodities se intensificaram. Com o apoio do Brasil, o G-20 vai controlar esses mercados. Todos os esforços estando sendo feitos para que os preços caiam. Curiosamente, a aprovação da regulamentação dos alimentos se deu antes da financeira. Isso demonstra o quão frágil é na verdade a nossa posição na divisão internacional do trabalho.


O novo diretor-geral da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano, já alertou que o Brasil precisa honrar seus compromissos de produzir mais alimentos. A insegurança alimentar também impõe limites aos novos termos de troca, levando em consideração ainda o meio ambiente. Com o novo código florestal, temos visível, enfim, o terceiro círculo vicioso: quanto mais danos ambientais, mais mudança climática, mais fome, mais flexibilidade para a agricultura, mais danos ambientais. O Brasil está no meio destes círculos e em todas as suas partes.


*Marcelo Coutinho é professor de Relações Internacionais de UFRJ e do IUPERJ. É coordenador do Laboratório de Estudos da América Latina (LEAL).